domingo, 16 de novembro de 2008

Entrando na roda


Originalmente postado em http://www.overmundo.com.br/overblog/entrando-na-roda

Por Igor Santos, 

Rodrigo Paradella,

Renato Senna 

e Thiago Etchatz


A lógica da coisa havia praticamente se invertido. Karen, nove anos, da 
AMC(Associação de Músicos e Compositores), de câmera na mão, é quem faz a entrevista:

- Vocês tocam o quê?- pergunta a menina, curiosa.Quase que em uníssono respondemos, após uma certa hesitação:

- Nada.


Com tudo o que foi visto e apurado ao longo do dia de ensaios para o Tangolomango, festa-evento de integração entre grupos culturais de origens as mais diversas, é possível pensar que todos os lá presentes “tocavam” algo. A pequenina integrante do grupo “Pandeloucos” era só mais uma prova disso.A presença de Karen havia saltado aos olhos de todos desde nossa chegada. Munida da câmera, a criança invadia todos os ambientes e registrava seu olhar acerca do que ocorria naquele cantinho da Fundição Progresso. A menina intercalava suas apresentações com suas representações, produzindo tanto como artista quanto como público. E tal produção gerou integração:

- É a primeira vez que eu venho aqui, mas quando acabar tudo, já peguei o telefone de todos para poder ligar e ficar conversando – diz o pequeno destaque do evento.Karen é somente mais um exemplo de como o grupo envolvido no acontecimento era multiprodutor de conteúdos. A intenção do Tangolomango é realizar a troca cultural, através justamente da simultaneidade de relatos e ações inerente a essa multiprodução.

Uma das integrantes da equipe de organização da festa, Luciana Ribeiro, do Nós no Morro, define o evento:

- É uma oportunidade para a solidariedade artística, porque aqui o artista pode ser visto o tempo todo, que é a sua grande vontade - diz.

Luciana, que participa do evento desde a sua primeira edição, em 2002, explica que a idéia da câmera é só mais um dos artifícios para possibilitar a completa integração entre os grupos. Sobre o fato de a câmera ser dada aos artistas para que façam um documentário, ela diz:

- A questão do documentário é fazer a pessoa entrar na roda. Mostre o que você quer, o que você tá vendo nesse lugar, as suas vontades, curiosidades, etc.Para fazer esse registro, a equipe priorizou crianças e adolescentes, por julgar diferente o seu olhar . Toda a liberdade foi dada e, segundo Luciana,os pequeninos se saíram bem em quase tudo. Quase.

- O mais difícil com criança é fazê-la entender que o zoom só pode ser usado quando ele é estritamente necessário - brinca.

Apesar da novidade de ter uma câmera na mão e um espaço enorme para explorar, a menina Karen não titubeou ao afirmar sua preferência entre o pandeiro e a filmadora:

Karen com a filmadora...

... e com o pandeiro, sua vida.

- O pandeiro. A percussão é a minha vida- diz a menina, que pretende ser professora de bateria quando crescer.

Roda disforme

Durante os ensaios, outros exemplos de integração artista-público-artista puderam ser vistos. O clima era de apreciação durante todas as apresentações, e os grupos que não faziam parte do que estava sendo exibido paravam para ver e comentar entre si. Mas na verdade tais comentários eram a menor parte da integração. Formava-se uma roda, em que esse público já era parte constante da apresentação. Os componentes do Gigantes Pela Própria Natureza - grupo que se apresentava em cima de pernas-de-pau - , que admiravam a apresentação teatral do grupo chileno Circo Del Mundo eram os mesmos que, pouco depois, dançavam capoeira ao som dos Pandeloucos, mesmo com a suposta dificuldade imposta pelo equipamento que levavam às pernas.


Com o passar do tempo e a conseqüente desinibição dos participantes, a roda foi aumentando de tamanho até se tornar disforme e ultrapassar a definição geométrica que lhe é atribuída. O que se via era um grande grupo de pessoas interagindo, pessoas essas que minutos antes estavam se apresentando, num ambiente de troca, mas também de conhecimento. Uma imensa “roda” de forró se formou na apresentação da banda de Geraldo Júnior, e aí já não era mais possível não perceber tal solidariedade artística.

Um dos grandes expoentes dessa troca e solidariedade foi o “streetdancer” André Virgínio, vulgo “Feijão”, participante da Companhia Urbana de Dança. O grupo de André não pôde comparecer ao evento por completo, mas o dançarino estava lá compensando a ausência de seus companheiros. Ele foi a grande representação da citada “solidariedade artística”.

André incorporava cada ritmo como se fosse o seu e, no menor tilintar do som, já estava se mexendo. Segundo suas palavras:



- Não consigo captar uma leitura para a música, mas várias. Assim, consigo fazer meu corpo trabalhar de acordo com o que tá rolando.

O dançarino incorporou o conceito de público ao mesmo tempo que o de artista e protagonizou cenas de muita animação e integração. Extasiado, afirmava:

- É um evento super maravilhoso, o que mais vale é o fato de ter uma interação cultural, é o grande prestígio da coisa.

No final, André sintetizou todo o evento, desde Karen até Luciana, passando por forró, samba, capoeira, teatro e por ele mesmo.

- Considero-me um artista o tempo todo.

Texto: Igor Santos
Entrevistas: Thiago Etchatz, Renato Senna e Igor Santos
Fotos: Rodrigo Paradella

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